quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sistemas de defesa antioxidantes: enzimático e não enzimático

Os antioxidantes são agentes responsáveis pela inibição e redução das lesões causadas pelos radicais livres nas células. Uma ampla definição de antioxidante é “qualquer substância que, presente em baixas concentrações quando comparada a do substrato oxidável, atrasa ou inibe a oxidação deste substrato de maneira eficaz”.
Em sistemas aeróbicos, é essencial o equilíbrio entre agentes óxido-redutores, como espécies reativas do metabolismo do oxigênio (ERMO) e o sistema de defesa antioxidante. Esses agentes são gerados endogenamente como conseqüência direta do metabolismo do O2 e também em situações não-fisiológicas, como a exposição da célula a xenobióticos que provocam a redução incompleta de O2. Para proteger-se, a célula possui um sistema de defesa que pode atuar em duas linhas. Uma delas atua como detoxificadora do agente antes que ele cause lesão. Esta linha é constituída por glutationa reduzida (GSH), superóxido-dismutase (SOD), catalase, glutationa-peroxidase (GSH-Px) e vitamina E. A outra linha de defesa tem a função de reparar a lesão ocorrida, sendo constituída pelo ácido ascórbico, pela glutationa-redutase (GSH-Rd) e pela glutationa-peroxidase (GSHPx), entre outros. Com exceção da vitamina E (α- tocoferol), que é um antioxidante estrutural da membrana, a maior parte dos agentes antioxidantes está no meio.
O sistema antioxidante não enzimático é composto pela glutationa (GSH), ubiquinona ou coenzima Q (CoQ) e do ácido úrico, que são produzidos in vivo, e composto pela vitamina E (tocoferol), vitamina C (ascorbato), β-caroteno, selênio e polifenóis, que são obtidos através da ingestão de substâncias com propriedades antioxidantes provenientes da dieta alimentar e outras fontes.
A catalase é uma enzima que previne o acúmulo de H2O2 dentro das células e tem importante participação no processo de combate as ERMO.
A vitamina C é também chamada de ascorbato, sendo esta, a forma que atua como antioxidante sobre as ERMOS. O ascorbato age diretamente nas membranas celulares, impedindo a iniciação da peroxidação lipídica ou indiretamente regenerando a forma reduzida e antioxidante da vitamina E, que atua como antioxidante na face lipofílica da membrana; porém, pode funcionar como pró-oxidante quando em dose elevada, ou quando exposta a metal, levando à lipoperoxidação. E sua deficiência na dieta causa o escorbuto e a propriedade química mais impressionante do ascorbato é a sua habilidade para agir como agente redutor.
A vitamina E confere proteção à membrana celular por atuar como quelante dos oxidantes produzidos durante a lipoperoxidação. É um importante antioxidante lipofílico, mas esta função poderá estar limitada em situações e sobrecarga de ferro.
O b-caroteno interage com as ERMO especialmente quando ocorrem baixas tensões de O2, enquanto que a vitamina E se mostra mais eficiente quando há altas tensões de O2 no meio.
Na inativação de um agente oxidante ocorre produção de GSSG e depleção de GSH. Em situações em que o sistema de óxido-redução está íntegro, haverá recuperação da GSH. Entretanto, sob condições de excesso de agentes oxidantes e/ou deficiência do sistema protetor, haverá desequilíbrio entre o consumo de GSH e a produção de GSSG, o que caracteriza o estresse oxidativo. Assim, a magnitude do estresse oxidativo pode ser monitorada pela razão GSSG/GSH.
O excesso de GSSG resulta em ambiente mais oxidante, que favorece a formação de pontes dissulfeto (-SS-) nas proteínas portadoras de grupamento tiol (-SH). As pontes dissulfeto oxidam estas proteínas, com prejuízo de suas funções. Esta oxidação é reversível às custas da ação de compostos antioxidantes, como a GSH.
Utilizando-se o eritrócito como célula-alvo, o fenômeno de estresse oxidativo é descrito. A membrana do glóbulo vermelho contém grande número de grupos -SH, e os agentes oxidantes podem converter estes grupos tióis (R-SH) em componentes dissulfeto (R-SSG), levando à desnaturação das proteínas da membrana27. Neste processo, pode ocorrer lesão intracelular, com oxidação da hemoglobina (Hb) à Meta-Hb, que precipita e forma os corpúsculos de Heinz. O componente lipídico da membrana eritrocitária está também sujeito à agressão oxidativa. Os produtos desta lipoperoxidação podem induzir o estresse oxidativo intracelular.
A associação dos fenômenos lipoperoxidação, formação de corpúsculos de Heinz e oxidação dos grupos -SH poderão promover a lesão da membrana do glóbulo vermelho. Se a eficiência do sistema antioxidante for superada pela magnitude destes fenômenos, ocorrerá o estresse oxidativo, que culminará em hemólise.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Os radicais livres e seus efeitos: oxidação e estresse oxidativo

A oxidação é um processo metabólico que leva à produ­ção de energia necessária para as atividades essenciais das células. Entretanto, o metabolismo do oxigênio nas células vivas também leva à produção de radicais. Oxidantes são compostos produzidos pelo metabolismo normal do corpo e, se não controlados, podem provocar danos extensivos. A oxidação é uma reação que pode ocorrer nos alimentos provocando a perda do valor nutritivo pela decomposição dos ácidos graxos e a formação de compostos que podem reagir com outros componentes dos alimentos e também serem prejudiciais para os organismos humano e animal. Os radicais livres são átomos ou moléculas com um ou mais elétrons não pareados em seu orbital mais externo, o que os torna extremamente reativos. Essa configuração faz dos radicais livres moléculas altamente instáveis, com meia-vida curtíssima e quimicamente muito reativas. A presença dos radicais é crítica para a manutenção de muitas funções fisiológicas normais.
Organismos aeróbicos derivam o trifosfato de adenosina (ATP) da redução completa do oxigênio (O2) por quatro elétrons, através do transporte mitocondrial de elétrons. Entretanto, se o O2 receber menos de quatro elétrons forma as “espécies reativas de oxigênio” (EROS). As EROS podem estar envolvidas na etiologia de diversas doenças humanas, tais como a doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral (AVC), artrite reumatóide e câncer.
Na verdade, radical livre não é o termo ideal para designar os agentes reativos patogênicos, pois alguns deles não apresentam elétrons desemparelhados em sua última camada.
É conveniente recordar que reações de redução implicam em ganho de elétrons, e as de oxidação, em perda. Portanto, quando no metabolismo normal ocorrer uma redução do oxigênio molecular (O2), este ganhará um elétron, formando o radical superóxido (O2-.), considerado instável por possuir número ímpar, 13, de elétrons na última camada L. Compreendendo as etapas da formação de O2-. podemos verificar que os radicais livres são formados em um cenário de reações de óxido-redução, isto é, ou cedem o elétron solitário, oxidando-se, ou recebem outro, reduzindo-se. Portanto, os radicais livres ou provocam ou resultam dessas reações de óxido-redução.
EROS ou ERMO (“espécies reativas do metabolismo de oxigênio”) são encontradas em todos os sistemas biológicos. Em condições fisiológicas do metabolismo celular aeróbio, o O2 sofre redução tetravalente, com aceitação de quatro elétrons, resultando na formação de H2O. Durante esse processo são formados intermediários reativos, como os radicais superóxido (O2-.), hidroperoxila (HO2.) e hidroxila (OH), e o peróxido de hidrogênio (H2O2). Normalmente, a redução completa do O2 ocorre na mitocôndria, e a reatividade das ERMO é neutralizada com a entrada dos quatro elétrons.
Radical superóxido (O2-.): Pode ser escrito como O2-. ou O2- e é formado após a primeira redução do O2. O radical superóxido ocorre em quase todas as células aeróbicas e é produzido durante a ativação máxima de neutrófilos, monócitos, macrófagos e eosinófilos. Apesar de ser considerado pouco reativo em soluções aquosas, tem sido observada lesão biológica secundária a sistemas geradores de O2-. (seja enzimático, fagocítico ou químico).
Radical hidroperoxila (HO2.): Representa a forma protonada do radical superóxido, ou seja, possui o próton hidrogênio. Existem evidências de que o hidroperoxila é mais reativo que o superóxido, por sua maior facilidade em iniciar a destruição de membranas biológicas.
Radical hidroxila (OH.): É considerada a ERMO mais reativa em sistemas biológicos. A combinação extremamente rápida do OH. com metais ou outros radicais no próprio sítio onde foi produzido confirma sua alta reatividade. Assim, se o hidroxila for produzido próximo ao DNA e a este DNA estiver fixado um metal, poderão ocorrer modificações de bases purínicas e pirimidínicas, levando à inativação ou mutação do DNA. Além disso, o hidroxila pode inativar várias proteínas (enzimas e membrana celular), ao oxidar seus grupos sulfidrilas (-SH) a pontes dissulfeto (-SS). Também pode iniciar a oxidação dos ácidos graxos polinsaturados das membranas celulares (lipoperoxidação).
Peróxido de hidrogênio (H2O2): Apesar de não ser um radical livre, pela ausência de elétrons desemparelhados na última camada, o H2O2 é um metabólito do oxigênio extremamente deletério, porque participa da reação que produz o OH.. O H2O2 tem vida longa, é capaz de atravessar camadas lipídicas, pode reagir com a membrana eritrocitária e com proteínas ligadas ao Fe++5. Assim, é altamente tóxico para as células; esta toxicidade pode ser aumentada de dez para mil vezes quando em presença de ferro6, como ocorre, por exemplo, na hemocromatose transfusional.
Oxigênio singlet (1O2): É forma excitada de oxigênio molecular e não possui elétrons desemparelhados em sua última camada. O 1O2 tem importância em certos eventos biológicos, mas poucas doenças foram relacionadas à sua presença.
Por outro lado, desempenham importantes papéis fisiológicos, como o controle da pressão sangüínea, na sinalização celular, na apoptose, na fagocitose de agentes patogênicos, na fertilização de ovos e no amadurecimento de frutos. Embora as ERMO possam ser mediadoras de doenças, sua formação nem sempre é deletéria, como na defesa contra a infecção, quando a bactéria estimula os neutrófilos a produzirem espécies reativas com a finalidade de destruir o microorganismo. Contudo, poderão ocorrer vários eventos nosológicos, se houver estímulo exagerado na produção dessas espécies, e a ele estiver associada uma falha da defesa antioxidante
A produção excessiva de EROS, por algum processo fisiopatológico, excede a capacidade protetora do organismo, resultando em estresse oxidativo (EO). O EO pode causar danos às membranas celulares, proteínas, à molécula de ácido desoxirribonucléico (DNA) e lipídios conduzindo a quadros de lipoperoxidação. O processo de lipoperoxidação pode desencadear alterações na estrutura e na permeabilidade endotelial predispondo ao desenvolvimento de placas ateroscleróticas. O estress oxidativo tem sido associado ao desenvolvimento de muitas doenças crônicas e degenerativas, incluindo o câncer, doenças cardíacas, doenças degenerativas como Alzheimer, bem como está envolvido no processo de envelhecimento.O balanço entre o estress oxidativo e as funções antioxidantes dos organismos vivos parece ter um papel na carcinogênese. Estudos clínicos e epidemiológicos têm mostrado evidências de que antioxidantes fenólicos de cereais, frutas e vegetais são os principais fatores que contribuem para a baixa e significativa redução da incidência de doenças crônicas e degenerativas encontradas em populações cujas dietas são altas na ingestão desses alimentos. Desta forma, a importância da pesquisa por antioxidantes naturais tem aumentado muito nos últimos anos. Compostos típicos que possuem atividade antioxidante incluem a classe de fenóis, ácidos fenólicos e seus derivados, flavonóides, tocoferóis, fosfolipídios, aminoácidos, ácido fítico, ácido ascórbico, pigmentos e esteróis. Antioxidantes fenólicos são antioxidantes primários que agem como terminais para os radicais livres.
O aumento nos níveis de triglicerídeos (TG) e da lipoproteína de baixa densidade (LDL), associados à diminuição dos níveis da lipoproteína de alta densidade (HDL), favorece o ataque de radicais livres. Isso forma uma LDL modificada, que se deposita na camada média dos vasos sanguíneos induzindo o processo aterosclerótico. Dados consistentes da literatura demonstram que uma das conseqüências do ataque dos radicais livres é o aumento da carbonilação de proteínas. Lesões teciduais associadas a sangramentos também podem liberar hemoglobina (Hb) e ferro, favorecendo reações oxirredutoras, como nos tumores e na artrite reumatóide, quando o ferro é liberado da Hb após microssangramentos.
Todos os componentes celulares são suscetíveis à ação das ERMO, porém a membrana é um dos mais atingidos em decorrência da peroxidação lipídica, que acarreta alterações na estrutura e na permeabilidade das membranas celulares. Conseqüentemente, há perda da seletividade na troca iônica e liberação do conteúdo de organelas, como as enzimas hidrolíticas dos lisossomas, e formação de produtos citotóxicos (como o malonaldeído), culminando com a morte celular. A lipoperoxidação também pode estar associada aos mecanismos de envelhecimento, de câncer e à exacerbação da toxicidade de xenobióticos. Assim como na formação das ERMO, nem sempre os processos de lipoperoxidação são prejudiciais, pois seus produtos são importantes na reação em cascata a partir do ácido aracdônico (formação de prostaglandinas) e, portanto, na resposta inflamatória. Todavia, o excesso de tais produtos pode ser lesivo. O radical hidroxila (OH.) é freqüentemente reconhecido como a espécie iniciadora e a mais importante da lipoperoxidação. Entretanto, estudos recentes indicam que o ferro também desempenha papel determinante na iniciação deste processo, sendo necessária uma relação equimolar Fe+++ : Fe++ no meio, para que ocorra a lipoperoxidação.